A Constituição Federal de 1988, também chamada de Constituição Cidadã, justificou o apelido dado e tornou a saúde um direito fundamental do cidadão, determinando assim que a vida é um bem valioso, devendo ser resguardada em todos os seus aspectos.
Nesse contexto, o art. 196, da referida Carta Magna institui que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”. De modo a reforçar a valorização dada pelo texto constitucional à questão da saúde, têm-se o art. 23, II, também da Constituição Federal, o qual atribui à União, aos Estados, Municípios e Distrito Federal a competência de cuidar da saúde e assistência pública, demonstrando que todo ente federativo se encontra sob a responsabilidade de prover melhorias e assistências aos seus cidadãos. Importa destacar ainda que o direito à vida é uma garantia fundamental, constituindo cláusula pétrea a qual deve ser respeitada acima de quaisquer outros preceitos.
Ocorre que, nas últimas décadas, não apenas no Brasil, como no mundo, a área da medicina vem sofrendo alterações, se modernizando a fim de proporcionar melhorias na saúde do homem. Desta forma, é crescente o número de doenças sendo descobertas, assim como a ampliação dos respectivos métodos de tratamento. Este cenário também causa um impacto no Poder Público, tendo em vista que o Sistema Único de Saúde, invariavelmente, será acionado pela população a fim de que possa custear tratamentos e medicamentos os mais diversos possíveis. Nesta esteira, temos no cenário atual brasileiro, um crescimento pujante em processos judiciais onde o Estado é citado para arcar com os custos de um medicamento ou tratamento de alto custo não disponibilizado pelo SUS.
Para exemplificar, entre os anos de 2005 e 2010, os gastos do governo com fornecimento de medicamentos de alto custo aumentou em 5000%, foram gastos R$2,4 milhões naquele ano, contra um total de R$132,58 no ano de 2010. Acrescenta-se ainda, que em 2010, a União foi citada em cerca de 3,4 mil ações judiciais em busca de remédios dessa natureza, conforme dados trazidos pelo Estadão. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2018 o gasto com os medicamentos de alto custo subiu para R$1,2 bilhão, demonstrando como o crescimento da judicialização da saúde está refletindo nos gastos públicos. Essa matemática só tende a aumentar, pois a cada dia novos tratamentos vão sendo descobertos, permitindo que pacientes atinjam sua cura, porém muitos desses medicamentos não são acobertados pelo SUS, de modo que seja necessário ajuizamento de uma ação para o devido fim.
Dado o referido cenário, inclui-se na discussão o princípio da reserva do possível, a fim de analisar se, diante do montante dos gastos despendidos pelo governo nesse ramo da saúde, haveria uma mitigação da responsabilidade estatal em relação ao cumprimento de suas obrigações. O princípio ora em comento, possui forte influência do princípio da razoabilidade, buscando um equilíbrio entre a responsabilidade estatal com a limitação econômica, orçamentária do ente público. Pedro Lenza leciona:
“Há de se verificar, portanto, no caso concreto, a “razoabilidade da pretensão” e a “disponibilidade financeira” do Estado para a implementação da política pública via controle do STF. Assim, a violação aos direitos mínimos tem de ser evidente e arbitrária [...]. ”.
Cabe, portanto, a análise da preservação do direito social à saúde diante das limitações da responsabilidade estatal, determinadas pela situação econômica e orçamentária do ente estatal.
O que diz o STF?
Em maio de 2019 o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em sede de Recurso Extraordinário, com repercussão geral reconhecida, que o Estado não poderá ser obrigado a fornecer medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou medicamentos experimentais.
A tese consta no Informativo 941 do STF e estabelece que:
- O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
- A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
- É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. - As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.
Desta forma, o STF firma entendimento nessa questão que há muito era controversa. O Estado continua obrigado a suprir, através do SUS, os medicamentos solicitados judicialmente, porém estabelece como requisito que tal medicação tenha registro na Anvisa, bem como que o medicamento não seja experimental. Apesar da regra geral de não fornecimento para as medicações sem registro, a Suprema Corte pontuou bem as ressalvas, a fim de dosar a proteção à saúde com as limitações das reservas financeiras estatais.
Importante destacar também, que as ações que visem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa, devem, a partir de agora, ser propostas obrigatoriamente perante à União.
O fornecimento de medicamentos de alto custo é um tema extremamente relevante e polêmico, atinge um ponto delicado da esfera social, tendo em vista que todos querem ver garantido seu direito à saúde, como foi prometido constitucionalmente.
É um assunto importante para se manter atualizado, pode ser cobrado em sua prova ou ser abordado contextualmente para compreensão de outras questões. Portanto, esteja sempre atenta(o) às novidades nos entendimentos dos nossos Tribunais, para assim garantir sua aprovação.
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Produzido por: Pollyanna Rattes, Advogada (OAB 44.509) e colaboradora de conteúdo do OAB de Bolso.