O ECA, Lei nº 8069/1990, foi redigido com inspiração na Constituição Federal de 1988 e na Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1989 e vigente desde 1990. É um documento, portanto, visionário que rege a tutela da criança e do adolescente de forma integral.
Teoricamente, os doutrinadores denominam o paradigma do ECA como “doutrina da proteção integral”, na medida em que consagra uma etapa garantista na qual criança é vislumbrada como sujeito de direitos e há sistema tríplice de garantias para tutelar os infanto-juvenis consubstanciado em políticas públicas, medidas de proteção e medidas socioeducativas.
Nessa toada, o legislador optou pela aplicação subsidiária e supletiva do processo civil e do processo penal com algumas adaptações favoráveis aos infanto-juvenis, conforme dispõe a interpretação dos artigos 152 e 198 da Lei nº 8069/1990 e a mens legislatoris do ECA.
Então, pergunta-se: quais são as regras em que o legislador indica a aplicação subsidiária do CPC? Como o Superior Tribunal de Justiça interpreta tais regras? Qual a influência do CPP sobre o ECA?
Ao total, são quatro regras recursais de relevância em que o legislador do ECA se utiliza da aplicação do CPC com adaptações. E já há vários precedentes em que o STJ julga a possibilidade de aplicação supletiva do CPC nos procedimentos do ECA ou a não aplicação da legislação do processo civil porque a legislação do processo penal é mais vantajosa ao infrator, conforme veremos a seguir.
A primeira regra recursal em que o legislador do ECA se utiliza da aplicação do CPC com adaptações é a dispensa do recolhimento de preparo para interposição de quaisquer recursos, prevista no artigo 198, I, da Lei nº 8.069/1990.
A segunda regra em que o legislador do ECA se utiliza da aplicação do CPC com adaptações, prevista no artigo 198, II, do CPC, é de que o prazo para interposição do recurso será sempre de 10 dias, salvo nos embargos de declaração. Em análise de tal dispositivo, o STJ já sedimentou entendimento sobre a contagem dos prazos recursais e a técnica da ampliação colegiada do julgamento, prevista no artigo 942, do CPC.
Quanto à contagem dos prazos recursais, a Corte entendeu que o ECA não segue a aplicação subsidiária do CPC, ou seja, não há contagem dos prazos apenas em dias úteis. O precedente foi o HC 475.610-DF, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/03/2019, DJe 03/04/2019.
No tocante à técnica de ampliação colegiada de julgamento, prevista no artigo 942, do CPC, o STJ admite a incidência do art. 942 do novo Código de Processo Civil para complementar o julgamento da apelação julgada por maioria nos procedimentos relativos ao estatuto do menor, mas desde que a decisão não-unânime seja desfavorável ao adolescente. Sendo decisão não-unânime favorável ao adolescente, não cabe a técnica da ampliação colegiada de julgamento. Isso porque com a eventual modificação do julgado em prejuízo do menor implicaria, em última análise, em imputar ao menor infrator tratamento mais gravoso que o atribuído ao réu penalmente imputável já que os embargos infringentes e de nulidade previstos na legislação processual penal (art. 609, Código de Processo Penal) somente são cabíveis na hipótese de o julgamento tomado por maioria prejudicar o réu, por se tratar de recurso exclusivo da defesa. Tais entendimentos restaram decididos nos precedentes: Quinta Turma, AgRg no REsp 1.673.215-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, por unanimidade, julgado em 17/05/2018, DJe 30/05/2018; bem como Sexta Turma, REsp 1.694.248-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 03/05/2018, DJe 15/05/2018.
A terceira regra recursal em que o legislador do ECA se utiliza da aplicação do CPC com adaptações, prevista no artigo 198, III, do ECA, é de que os recursos terão preferência de julgamento e dispensarão revisor.
A quarta regra recursal em que o legislador do ECA se utiliza da aplicação do CPC com adaptações, prevista no artigo 198, VII, do ECA, consiste na possibilidade de aplicação do juízo de retratação nos recursos de apelação e agravo de instrumento.
Por fim, no tocante à influência do CPP nos procedimentos do ECA, o STJ ainda tem precedente no sentido de que a figura do assistente de acusação é incompatível com o regramento infanto-juvenil, na medida em que não existe previsão legal específica e o artigo 198, da Lei nº 8069/1990 prevê a aplicação subsidiária apenas do CPC aos recursos de tais vulneráveis. Este entendimento foi assentado no precedente da SEXTA TURMA; RECURSO ESPECIAL Nº 1.089.564 – DF; Rel. Min. Sebastião Reis Júnior; DJ 15-03-2012.
Para além do exposto aqui, sugerimos, caro leitor, a revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente através de questões comentadas e dos resumos no nosso app Oab de Bolso. Bons estudos!!
Produzido por Bruna Monteiro, Advogada (OAB 32.882) e colabora de conteúdo do OAB de Bolso.